sábado, 23 de janeiro de 2010

Aos trabalhadores e ao público da escola pública em que lecionarei agora



Há poucos dias, menos imprecisamente, por volta de dezembro do ano passado, fui aprovado em concurso público para professor de Língua Portuguesa da educação básica (ensino fundamental), na cidade em que assisto atualmente,  Teresina, onde assisti a muitas aulas nas décadas de setenta, oitenta e noventa. Pelo esforço que empreendi, a consecução de meu objetivo me-trouxe novamente a oportunidade de realizar algo a que me-propus anos antes: pagar o que devia à escola pública (mais literal do que metaforicamente, claro!).

É certo que, da vez anterior, eu não consegui realizar meu objetivo, por motivos inferiores; contudo, desta vez não desistirei de efetivá-lo. Ao menos, é isso que tenho em mente. Ainda mais, sabendo que os momentos em que me-encontrei antes e em que me-encontro atualmente são muitíssimo diferentes. Antes, quando fui aprovado a primeira vez nesse mesmo concurso, era 1996, e eu trabalhava numa escola que é tida por muitos como a melhor de nosso estado e que figura entre as melhores do Nordeste e, mesmo, do Brasil: o Instituto Dom Barreto, dirigida àquela época pelo ilustre professor Marcílio Flávio Rangel, um empreendedor incansável, em se-tratando de investimentos em educação. Ademais, eu também “fazia bico” numa outra escola,  para garantir mais ainda o leite, o pão, o feijão etc., etc., das minhas crianças. Assim, no Instituto Dom Barreto, eu procurava-me-aperfeiçoar na sala de aula, já que ainda era somente um “dador” de aulas, como o mercado exigia, precisava, então, tornar-me um educador; porém, nessa primeira escola privada, eu não ganhava assim tão bem quanto o-desejava; porisso fazia, no segundo colégio privado, o extra de que falei antes, a fim de viver razoavelmente bem.

Daí vem o primeiro motivo que me-fez abandonar a escola pública e a minha festejada estabilidade (ainda a empregatícia, não a financeira!): no Instituto Dom Barreto,  um salário razoável com aquela exigência de Hércules, mas necessária ao meu aprendizado docente; na outra escola, o “dinheiro fácil”, pois, nesta, trabalhando a metade do tempo , eu ganhava o dobro do que recebia na escola pública. O dinheiro foi o culpado da minha saída? Não, o meu despreparo pra vida, talvez sim. Ou a falta de consciência do que estava devendo e deveria ter pagado. Hoje, mesmo não sendo nem um pingo razoável o que um professor ganha por vinte horas semanais na escola pública municipal de Teresina (e devemos "pôr um pingo nos ii" quanto a isso, pois um salário bruto de R$770,13 não é justo para um trabalho tão responsável!), acredito que não desistirei dessa jornada; lidouvido que terei paciência de Jah para esperar pelos dias melhores que virão (não somente no verão, mas em todas as estações) ao Primavera, à minha casa. Não confundam essa atitude com resignação cristã, pelo amor de Dadá! O que estou a escrever é que meu compromisso em trabalhar por melhorias na educação pública vai ser algo mais do que heroico, será, então,  terráqueo, terreno, pessoal, humano. Gente vale mais do que dinheiro; todos sabemos disso. Às vezes, não nos-esforçamos para prová-lo. Aí, portanto, o que ocorreu comigo.

Porém (as adversidades me-perseguem?), desta vez, estou ciente de que esse compromisso será testado tantas vezes. Repito: estarei pronto, principalmente, pra “suportar Antônio", sensibilizar Pedro, fazer renascer Renato,  tornar irmãos João e Ivan, admoestar Moacy; seja o que flor! É, na minha primeira passagem pela escola pública, eu confesso que não passei no teste. Não consegui suportar a realidade nova daquela escola, tamanha a desordem nela e na minha cabeça, ainda pequena pra compromisso e sacrifício dessa qualidade. Esse foi, portanto, o segundo motivo que aceitei pra que saísse da escola pública em 1997, depois de passar em segundo lugar no concurso, em 1996. Não suportei as adversidades que os “adversários da solidariedade”, dentro da escola pública, propagavam. Um ato gratuito, o meu? Não no-sei, julguem-no vocês. O certo é que a desorganização voluntária, o despreparo técnico e humano dos profissionais, a ocorrência até de crimes contra à infância e à adolescência (um professor quis-me-ensinar como prostituir alunas com a “técnica de pagar uma merenda pra elas”) foram muito eloquentes para me-silenciar, afastar-me dos meus propósitos. Sim, não tenho vergonha em escrever isso, mas fico envergonhado por não ter tido maturidade e esclarecimento pra denunciar esse professor canalha. Ainda mais eu, que já sofri assédio dessa gente descompromissada com a educação. Mas deixa comigo, que, hoje, eu tenho sabão e água pra essa roupa suja que eles usam, e eu lavo.

Assim, para que a minha vida na escola pública seja longa, estou estudando bastante para comportar-me como a regra manda, para ser um educador de verdade, como sempre o-fui, ainda que, no início, tenha fraquejado. Porisso, estou-me-reescrevendo para tanto trabalho, tanto “sacro ofício”, na medida da divina humanidade que esse ato encerra. Estou pronto, por exemplo meu, para não deixar que a violência invada a escola, a sala de aula, a biblioteca, as nossas almas (colocadas aqui não somente para efeito sonoro). Portanto, eu grito praqueles que trabalharão comigo nesse compromisso de civilidade e aos meus futuros pupilos este meu poema de escola de poesia, muito fino e curto:





escola & biblioteca nacionais revisitadas por dois brasileiros poetas

os cartazes pedem às vozes
(mesmo que não sejam loquazes)
um silêncio com volume sepulcral

os profissionais – professores quase
aposentados – vigiam a indisciplina
de alunos de castigo: deslocados

os livros são títulos reescritos de Oswald:
a Criança abandonada no século XXI
O Doutor Coppelius Faz Milagres
Vamos com Ele (a Volta)
Senhor Primavera: o Poeta bairrista
código do Crime Brasileiro
a Arte de Ganhar na política
o Arador impopular de Versos
O país em ChamaS

(Em frente à escola da comunidade, numa quebrada do país.)

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